Quando o governo federal publicou a MP 415, no início do ano, proibindo a venda de bebidas alcoólicas nas rodovias federais, manifestei em artigo publicado em nosso site a esperança de podermos ter uma Lei que pudesse melhorar os nossos índices de acidentes e fatalidades no trânsito. Nesse mesmo texto, alertava sobre a pressão que poderia se seguir para as tais “flexibilizações” das leis, comum na nossa cultura.

 

Dito e feito. Foram semanas de pressões promovidas por sindicatos defendendo a venda de bebidas alcoólicas em estabelecimentos contíguos às rodovias. Seguiu-se o debate e veio a Lei 11.705, promulgada pelo governo federal, que foi um tiro no pé de quem defendeu a venda.

 

Ao sancionar a lei que estabelece tolerância zero para a dupla álcool e direção, de autoria do deputado Hugo Leal (PSC-RJ), a nova legislação tipifica como crime qualquer traço de álcool no organismo do motorista, permitindo ao agente de trânsito apreender o veículo, impondo ao condutor alcoolizado multa de R$ 955,00 e, em caso dele se envolver em acidente, contempla sua prisão por crime doloso. Se não houver acidente, a licença para dirigir, a CNH, fica suspensa por 12 meses.

 

É verdade que, para sinalizar à  sociedade que o problema é muito mais grave do que parece o ato de tomar um simples copo de chope, o governo poderia ter furado o lobby dos fabricantes e vendedores de bebidas alcoólicas e também proibir a comercialização em locais próximos de rodovias, mas, assim mesmo, a promulgação da nova lei deve ser comemorada e defendida pela sociedade, sobretudo porque dá à Justiça um instrumento para responsabilizar e punir motoristas irresponsáveis que bebem e colocam a vida dos outros em risco. Doravante, os senhores magistrados e, naturalmente, agentes de trânsito e autoridades policiais, conseguirão exercer melhor o papel que toda a sociedade lhes confia: a proteção da vida, da paz e da harmonia.

 

O desafio é grande. Trata-se, com a nova lei, de mudar uma mentalidade enraizada na cultura da população brasileira por décadas e décadas de pouco caso com a vida no trânsito. E, mudar hábitos de um povo, por mais nocivos que sejam, requer regras novas (essas já temos) e fiscalização efetiva, além de campanhas educativas massivas e eficientes.

 

Quando se sabe que a cidade de São Paulo, que joga diariamente em suas ruas mil novos veículos e tem uma frota estimada em seis milhões de carros, ônibus, motos e caminhões possui apenas 15 bafômetros, ficamos apreensivos.

 

A sociedade não pode admitir nova ofensiva dos que desprezam o direito à vida e que vão fazer de tudo para desacreditar a lei. Donos de bares e fabricantes de bebidas, prejudicados financeiramente com a medida, já começam a se movimentar, afinal, de acordo com estudo da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, que ouviu mais de mil universitários do Rio e de São Paulo, 36% desses jovens voltam para casa dirigindo, mesmo depois de consumir álcool. O resultado está diariamente estampado nos nossos jornais.

 

Paralelamente à sanção do presidente Lula à lei de alcoolemia zero, aconteceu no Rio uma reunião que reputo das mais importantes no combate à violência no trânsito. Nasceu, oficialmente, no último 23 de junho, também com o apoio da Abramcet, a Associação Trânsito Amigo, capitaneada pelo engenheiro Fernando Diniz, que nos últimos anos trava uma batalha pessoal para que o trânsito seja cidadão, amigável. Diniz perdeu seu filho numa batida ocasionada por um motorista embriagado.

Nesta primeira reunião, na sede da Sociedade Brasileira de Traumatologia e Ortopedia (SBOT), no Rio, já surgiram propostas práticas que visam envolver os futuros gestores do trânsito brasileiro: os prefeitos. A Trânsito Amigo vai enviar aos candidatos a prefeito uma carta-compromisso estabelecendo ações para diminuir o número de mortos e feridos no trânsito. O que se espera é que o candidato assine este compromisso. Desta forma, o tema “civilidade no trânsito” estará presente na campanha de todos os candidatos.

 

Para finalizar, gostaria de lembrar que, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada seis segundos, no mundo, alguém se fere no trânsito. E, a cada 30 segundos, um ser humano morre. No Brasil morrem 50.000 por ano.  Portanto, iniciativas como a “lei seca” brasileira e o nascimento da Associação Trânsito Amigo são tímidas frente ao genocídio sobre rodas, mas extremamente importantes para revertermos essa matança.